Capítulo 2
O emplasto
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.
Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.
Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.
Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.
Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.
(ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo, 1997. pp. 3-4)
A partir da leitura do excerto acima, escolha a alternativa que melhor representa a filiação estética de Machado de Assis
O escritor carioca pode ser considerado romântico, pois apresenta uma percepção idealizada do mundo, definida pela concepção do emplasto.
O Bruxo do Cosme Velho, como foi denominado Machado de Assis, demonstra, neste texto, uma caracterização realista, uma vez que tem a intenção de refletir sobre a época em que viveu.
O texto demonstra a filiação do autor à perspectiva simbolista, visto que o emplasto pode ser considerado como uma metáfora da vida.
O autor, neste trecho inicial do romance, apresenta uma perspectiva modernista, pois é evidenciada, no texto, a trajetória de sua ideia, desde o momento de sua concepção inicial até o momento de sua execução.
A linguagem do texto apresentado acima nos faz compreender que o autor é parnasiano, devido ao uso rebuscado das palavras e à formalidade excessiva da estrutura.