Cálice
Chico Buarque e Gilberto Gil
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
(Disponível em http://letras.mus.br/chico-buarque/45121/.
Acesso em 31 mar. 2014)
A música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, foi composta no ano de 1973, no período da Ditadura Militar brasileira. Desde o título, a música apresenta uma série de questões relativas ao período pelo qual o Brasil estava passando.
No que diz respeito aos fatos retratados na letra da música, pode-se afirmar que
os autores falam abertamente sobre o que está acontecendo, sem uma preocupação com a censura vigente na época, pois eram músicos reconhecidos e estavam livres de tal aparato.
os autores falam abertamente do que está acontecendo naquele momento, mesmo sabendo que poderão sofrer consequências como censura e apreensão.
os autores falam de coisas singelas e ingênuas, a fim de burlar a censura vigente e aplacar a fúria dos censores.
os autores falam sobre a trajetória de Cristo, a fim de convencer os censores, muitos deles católicos fervorosos, de sua postura imparcial frente ao momento histórico.
os autores, com o intuito de burlar a censura, criam uma letra em que nada é o que parece ser, pois há referências indiretas e veladas ao que está acontecendo no país naquele momento.