AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar Editora, 1972, p. 164.
A partir da leitura do texto, se pode afirmar que:
No poema de Pessoa, observa-se o sentido da vida de forma genérica ou universal.
O poeta só sente a dor ao decodificá-la, pois a dor é sua e de mais ninguém.
Percebemos, de imediato, a falta de paralelismo da estrutura do poema, expresso em estrofes de quatro versos que se repetem por três vezes.
Fernando Pessoa quer descobrir para si mesmo o mistério da sua poesia e, sobretudo, da arte de ser poeta.
Na terceira estrofe, o poeta fala do indivíduo particular que produz o poema e de um conjunto de indivíduos (os leitores) que entram em contato com a obra.
Neste poema de Fernando Pessoa, o eu-lírico reflete sobre o processo de criação poética e a arte de fingir. A dor que o poeta sente é transformada em linguagem poética, mas essa dor representada não é exatamente a mesma dor autêntica: torna-se uma dor artisticamente construída. O poema enfatiza a ideia de que há um mistério na criação literária que o poeta busca desvendar, mostrando-se consciente de sua própria capacidade de “fingir” em versos. A outra questão central é a forma como o público (ou leitor) recebe esse conteúdo poético, já que, ao ler o poema, experimenta a dor de maneira diferente, baseada em seu próprio referencial.
A alternativa correta é a letra D: ao longo dos versos, Pessoa exprime como encara sua própria criação artística e todo o mistério que envolve o ato de fazer poesia, enfatizando que, a cada escrita, o poeta se descobre e compreende, explorando os processos de seu “fingimento”.