Instrução: As questões 01 a 06 referem-se ao texto abaixo.
01.-----Senti que alguma coisa estava errada comigo
02. quando disse, a respeito de não me lembro quem, que
03. ele tinha uma paciência de Lot e houve um silêncio no
04. grupo. As pessoas se entreolharam e vi que algumas
05. se esforçavam para não rir.
06. ----– Eu disse alguma coisa errada? – perguntei.
07.-----Nova troca de olhares. Finalmente, alguém falou:
08.-----– Não é paciência de Lot. É paciência de Jó.
09.-----Fiquei confuso. Era a primeira vez que me acontecia
10. aquilo. Sempre tivera certeza no que dizia e confiança
11. na minha cultura. Depois de alguns segundos de
12. constrangimento, recuperei minha empáfia proverbial.
13. ----– A paciência é de Lot. Jó é outra coisa.
14. ----– Lot é o da mulher que virou uma estátua de sal.
15. ó é o da paciência.
16. ----Seria possível? Mas não entreguei os pontos.
17. ---– É o contrário.
18. ---– Não é.
19. ---– É.
20.-----Fui tão incisivo que consegui convencer algumas
21. pessoas do grupo. Elas ficaram em dúvida, como
22. McBeth. Era ou não era? Começou uma discussão. Pedi
23. silêncio e me dirigi ___ única pessoa do grupo que até ali
24. não havia se manifestado. Ela daria o voto de Mecenas.
25. ---– Afinal – disse eu, sorrindo, certo da vitória – sei
26. que você será justo como Moisés.
27. ---– Salomão.
28. ---– Hein?
29. ---– Você quer dizer “justo como Salomão”.
30. ---Estremeci. Perdi todo o apoio que conseguira no
31. grupo. Alguém ainda tentou me ajudar.
32. ---– O Moisés também era justo...
33. ---Mas a questão não era essa. A questão é que havia
34. o jeito certo de dizer as coisas e o jeito errado.
35. Milhares de anos de civilização tinham nos legado
36. exemplos e frases para todas ___ situações. Esquecê-las
37. seria trair a nossa herança. A cultura helênica, a
38. romana, nossas tradições judaico-cristãs, os clássicos,
39. o próprio dom da comunicação entre os povos. Voltaría-
40. mos ___ torre da Babilônia. Fui para casa sentindo-me
41. derrotado como Napoleão depois de Watergate. Não
42 seria preciso muito para me convencer a tomar cicuta,
43. como Aristóteles.
44.-----O que estaria acontecendo comigo? Nunca falhara
45. antes. E de repente, aquela crise. A notícia se espalharia.
46. Minhas frases erradas me tornariam vulnerável. Seriam
47. meu calcanhar de Ulisses. Minha fama de erudito
48. estava ameaçada. Ninguém mais diria, com admiração,
49. “o doutor é um homem cultíssimo”. Diriam “o doutor
50. está ficando gagá”. Como se, em vez de um homem de
51. meia-idade, eu já fosse velho como... Como quem
52. mesmo? Como Mateus.
53.-----SNaquela noite, repassei todas as frases que tinham
54. feito minha reputação. No meio da noite, acordei,
55. apavorado, O calcanhar não era de Ulisses. Como podia
56. ter errado assim? De quem era, afinal, o maldito
57. calcanhar? Só depois de meia hora de angústia consegui
58. me lembrar. Átila. Calcanhar de Átila. Dormi aliviado.
Adaptado de: VERISSIMO, L. F. Comédias da vida privada. 101 crônicas escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 1996.
Assinale a alternativa que apresenta sinônimos adequados para as palavras empáfia (l. 12), incisivo (l. 20) e legado (l. 35), respectivamente, tal como estão sendo empregadas no texto.
empatia – sagaz – herdado
imodéstia – firme – deixado
verborragia – convincente – relegado
calma – certeiro – ofertado
arrogância – alusivo – oferecido