Universidade Federal Fluminense 2023

Texto 2


Línguas que não sabemos que sabíamos

Mia Couto


Num conto que nunca cheguei a publicar

acontece o seguinte: uma mulher, em fase

terminal de doença, pede ao marido que lhe conte

uma história para apaziguar as insuportáveis

5 dores. Mal ele inicia a narração, ela o faz parar:

̶ Não, assim não. Eu quero que me fale

numa língua desconhecida.

̶ Desconhecida? – pergunta ele.

̶ Uma língua que não exista. Que eu preciso

10 tanto de não compreender nada!

O marido se interroga: como se pode saber

falar uma língua que não existe? Começa por

balbuciar umas palavras estranhas e sente-se

ridículo como se a si mesmo desse provas da

15 incapacidade de ser humano. Aos poucos, porém,

vai ganhando mais à-vontade nesse idioma sem

regra. E ele já não sabe se fala, se canta, se reza.

Quando se detém, repara que a mulher está

adormecida, e mora em seu rosto o mais tranquilo

20 sorriso. Mais tarde, ela lhe confessa: aqueles

murmúrios lhe trouxeram lembranças de antes de

ter memória. E lhe deram o conforto desse mesmo

sono que nos liga ao que havia antes de estarmos

juntos.

25 ____ Na nossa infância, todos nós

experimentamos este primeiro idioma, o idioma do

caos, todos nós usufruímos do momento divino em

que a nossa vida podia ser todas as vidas e o

mundo ainda esperava por um destino. James

30 Joyce chamava de “caosmologia” a esta relação

com o mundo informe e caótico. Essa relação,

meus amigos, é aquilo que faz mover a escrita,

qualquer que seja o continente, qualquer que seja

a nação, a língua ou o género literário.

35 ____ Eu creio que todos nós, poetas e

ficcionistas, não deixamos nunca de perseguir

esse caos seminal. Todos nós aspiramos

regressar a essa condição em que estivemos tão

fora de um idioma que todas as línguas eram

40 nossas. Dito de outro modo, todos nós somos

impossíveis tradutores de sonhos. Na verdade, os

sonhos falam em nós o que nenhuma palavra

sabe dizer.

O nosso fito, como produtores de sonhos,

45 é aceder a essa outra língua que não é falável,

essa língua cega em que todas as coisas podem

ter todos os nomes. O que a mulher doente pedia

é aquilo que todos nós queremos: anular o tempo

e fazer adormecer a morte.


COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?: e outras intervenções. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. pp.11-12. Adaptado.

As palavras sublinhadas em Que eu preciso tanto de não compreender nada! (Linhas 9-10), morfologicamente, devem ser classificadas

a

ambas como pronomes indefinidos

b

ambas como advérbios

c

ambas como adjetivos

d

como advérbio e pronome indefinido, respectivamente

e

como adjetivo e advérbio, respectivamente

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D
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