Aquele bêbado
— Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou: — Álcool.
O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana.
Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio.
— Curou-se 100% de vício — comentavam os amigos.
Só ele sabia que andava bêbado que nem um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr de sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos.
ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991.
A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre uma
metaforização do sentido literal do verbo “beber”.
aproximação exagerada da estética abstracionista.
apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem.
exploração hiperbólica da expressão “inúmeras coroas”.
citação aleatória de nomes de diferentes artistas.
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.