PUC-PR Inverno 2013
Analise o fragmento abaixo, retirado de São Bernardo, de Graciliano Ramos:
“Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais (...). Estive uma semana bastante animado, em conferências com os principais colaboradores, e já via os volumes expostos, um milheiro vendido graças aos elogios que, agora com a morte do Costa Brito, eu meteria na esfomeada Gazeta, mediante lambujem. Mas o otimismo levou água na fervura, compreendi que não nos entendíamos.”
A respeito do protagonista do romance e seu projeto literário expresso no início do livro, marque a alternativa CORRETA.
Paulo Honório sente-se frustrado com o projeto de escrita do livro. Homem rico e portador de cultura elevada, percebe-se tratando com companheiros de poucas letras e ralas informações literárias e não vê neles o domínio da forma adequada de se expressarem num texto como o que pretende compor, em homenagem a sua falecida esposa, Madalena.
A escrita do livro é um modo de Paulo Honório se vingar dos que o desprezaram. Tendo tido uma experiência de penúria e sofrimento na juventude, na maturidade, à custa de muito esforço, tornouse um homem rico e poderoso. As pessoas convocadas por ele para a redação de suas memórias são as mesmas que o humilharam antes. O contato deles com o conteúdo da vida de Paulo Honório funcionaria como uma punição.
a escrita coletiva é uma demonstração do desapego de Paulo Honório no momento em que se encontra, no final de sua vida. Tendo sido em épocas passadas um egoísta inveterado, preocupado em acumular riquezas, na velhice deu-se à experiência de abrir mão de suas posses. Arrependido do modo rude como sempre tratou seus empregados, o velho fazendeiro começa, com a escrita do livro, a conhecer o prazer de compartilhar.
A intenção de escrita coletiva, manifestada no início do livro, surge da fixação de Paulo Honório em excelência e bom desempenho, metas que nortearam o todo de suas ações como proprietário rural e usineiro de açúcar da região fértil do Nordeste. Seu projeto literário é pensado – como tudo em sua vida – para ser bem-sucedido. Contudo, pelo fato de a literatura não poder ser planejada como um “empreendimento”, ele conhece nessa tentativa um fracasso, o que não o impede de, com seus próprios recursos, sem a ajuda dos companheiros, prosseguir com a escrita de suas memórias.
Paulo Honório, quando decide narrar sua vida, é um homem maduro e solitário. A rememoração de sua vida é feita com dificuldade. A princípio, ele pensa poder superar essa dificuldade com a opção por dividir – e coordenar – o trabalho de escrita. Mas, aos poucos, nota a impossibilidade de alcançar êxito nisso. Sua escrita solitária se deparará com obstáculos que são, de um lado, os limites de sua expressão e, de outro, a gravidade das reflexões a que os fatos narrados se ligam, reveladores do sem sentido de sua busca pelo sucesso material, alcançado ao preço da perda de sua humanidade.
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