AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER
(Soneto nº 005)
Luiz Vaz de Camões
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
A Literatura portuguesa. Massaud Moisés; São Paulo: Cultrix, 2008.
Camões, adotando uma concepção racionalista e platônica da bem-amada, ama a mulher não por ela própria, mas por encontrar nela refletido o sentimento do Amor em grau absoluto; amor do Amor, e não do ser que o inspirou.
Nesse soneto, o poeta procura
conceituar o amor, o que só consegue realizar lançando mão de antíteses e paradoxos.
entender a diferença entre o amor sagrado e o amor carnal que profana a alma.
provar que o amor platônico é apenas uma mera projeção do inconsciente e, portanto, deve ser abandonado.
associar o sentimento amoroso ao desejo de salvação da alma que era o ideal de vida do poeta renascentista.
negar a possibilidade da fusão entre o amor carnal e o amor platônico, pois o verdadeiro amor só existe na vida celestial.