Agora, ao Chico Bento, como único recurso, só restava arribar.
Sem legume, sem serviço, sem meios de nenhuma espécie, não havia de ficar morrendo de fome, enquanto a seca durasse.
Depois, o mundo é grande e no Amazonas sempre há borracha...
Alta noite, na camarinha fechada que uma lamparina moribunda alumiava mal, combinou com a mulher o plano de partida.
Ela ouvia chorando, enxugando na varanda encarnada da rede, os olhos cegos de lágrimas.
Chico Bento, na confiança do seu sonho, procurou animá-la, contando-lhe os mil casos de retirantes enriquecidos no Norte.
A voz lenta e cansada vibrava, erguia-se, parecia outra, abarcando projetos e ambições. E a imaginação esperançosa aplanava as estradas difíceis, esquecia saudades, fome e angústias, penetrava na sombra verde do Amazonas, vencia a natureza bruta, dominava as feras e as visagens, fazia dele rico e vencedor.
Cordulina ouvia, e abria o coração àquela esperança; mas correndo os olhos pelas paredes de taipa, pelo canto onde na redinha remendada o filho pequenino dormia, novamente sentiu um aperto de saudade, e lastimou-se:
― Mas, Chico, eu tenho tanta pena da minha barraquinha! Onde é que a gente vai viver, por esse mundão de meu Deus?
A voz dolente do vaqueiro novamente se ergueu em consolações e promessas:
― Em todo pé de pau há um galho mode a gente armar a tipoia... E com umas noites assim limpas até dá vontade de se dormir no tempo... Se chovesse, quer de noite, quer de dia, tinha carecido se ganhar o mundo atrás de um gancho?
QUEIROZ, Rachel. O quinze. 25 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 18-19. Fragmento.
Publicado em 1930, o romance traz as marcas de seu contexto histórico porque tematiza
a grande seca que assolou o Nordeste na primeira metade do século XX.
o enfrentamento das dificuldades sociais por meio da tomada de atitudes drásticas.
o sofrimento de ter de deixar a terra natal para viver no estado do Amazonas.
o sofrimento de ter de deixar a terra natal para viver no estado do Amazonas.