Abaixo, segue um fragmento do poema “O Operário em Construção”, de Vinícius de Moraes.
[1] Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
[5] Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo,
[10] Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
[15] Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
[20] Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
[25] Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
[30] Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
[35] Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia,
À mesa, ao cortar o pão,
O operário foi tomado
[40] De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão,
Era ele quem fazia
[45] Ele, um humilde operário,
Um operário em construção. [...]
MORAES, Vinícius. O Operário em Construção. Rio de Janeiro, 1959. Disponível em: <http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesiaavulsas/ o-operario-em-construcao>. Acesso em: 18 jan. 2016. Adaptado.
Sobre o fragmento do poema de Vinícius de Moraes, é incorreto afirmar que o operário, a quem o eu poético se refere,
é visto, inicialmente, como um indivíduo subjugado e sem liberdade, ao ser comparado a um “pássaro sem asas” (v. 4).
não consegue fazer de seu trabalho um meio de libertação e acaba, contraditoriamente, na condição de oprimido, denunciada por meio do paradoxo presente nos versos “a casa que ele fazia/Sendo a sua liberdade / Era a sua escravidão.” (v. 13-15).
tem consciência crítica de sua mais-valia, luta por seus direitos e busca reverter a situação ao questionar “como podia/ Um operário em construção/ Compreender por que um tijolo/ Valia mais do que um pão?” (v. 16-19).
dá-se conta, em uma súbita constatação, de que tudo à sua volta é fruto de seu trabalho, “— Garrafa, prato, facão/ Era ele quem fazia” (v. 43-44).
constrói sua consciência ao longo do texto, criando uma dicotomia entre a construção de habitações e objetos e a construção de seu próprio olhar crítico, na condição de um “humilde operário” (v. 45) explorado pelo sistema econômico.