INSPER Manhã 2014/2

A vestibulanda e a 'dor que desatina sem doer' de Camões

Numa prova do vestibular da Universidade da Bahia, foi exigida dos candidatos a interpretação destes versos de Camões:

 

Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói e não se sente,

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

 

Uma vestibulanda de 16 anos interpretou-os assim:

Ah! Camões,

se vivesses hoje em dia,

tomavas uns antipiréticos,

uns quantos analgésicos

e Prozac para a depressão.

Compravas um computador,

consultavas a Internet

e descobririas que as dores que sentias,

esses calores que te abrasavam,

essas mudanças de humor repentinas,

esses desatinos sem nexo,

não eram feridas de amor,

mas somente falta de sexo.

 

A menina baiana ganhou nota 10. Comentário: foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era falta de mulher. E o caso, se verdadeiro (há versões de que teria acontecido em Portugal), serve para livrar a cara dos vestibulandos, só lembrados pelas suas provas lamentáveis, que invariavelmente se tornam motivos de chacota. E também da Bahia. Afinal, nem tudo lá é trio elétrico e gente pulando na rua, nos 365 dias do ano.

(http://jornalggn.com.br/noticia/a-vestibulanda-e-a-dor-que-desatina-sem-doer-de-camoes)

Confrontando-se os versos de Camões e a suposta interpretação da vestibulanda, é correto afirmar que

a

ao dialogar com o poema de Camões, a garota analisa o mesmo tema por uma perspectiva puramente racional do amor.

b

diferentemente do poema camoniano, nos versos da garota não se identifica a tentativa de harmonizar conceitos opostos.

c

ao trazer a temática camoniana para o contexto das tecnologias digitais, o texto da garota reverencia o sentimento amoroso.

d

para a garota, no mundo contemporâneo, o sofrimento amoroso encontra conforto na Medicina e nas mídias sociais.

e

na releitura proposta pela garota, ao contrário dos versos de Camões, não se buscam explicações para compreender o amor.

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Resposta
B

Resolução

A questão pede para comparar os versos clássicos de Luís Vaz de Camões sobre o amor com a interpretação moderna e humorística atribuída a uma estudante.

1. Análise dos versos de Camões:

  • "Amor é fogo que arde sem se ver"
  • "é ferida que dói e não se sente"
  • "é um contentamento descontente"
  • "é dor que desatina sem doer"

Camões utiliza figuras de linguagem como o paradoxo (aproximação de ideias contrárias, como "arde sem se ver", "dói e não se sente", "dor sem doer") e o oxímoro ("contentamento descontente") para expressar a natureza complexa, contraditória e muitas vezes irracional do sentimento amoroso. Ele tenta definir o amor justamente pela harmonização desses conceitos opostos.

2. Análise da interpretação da vestibulanda:

A estudante dialoga diretamente com Camões ("Ah! Camões"), mas transporta a questão para um contexto contemporâneo. Ela sugere que os "sintomas" descritos por Camões (fogo, ferida, dor, desatino, mudanças de humor) seriam hoje tratados com medicamentos (antipiréticos, analgésicos, Prozac) e que a causa raiz, descoberta via internet, seria simplesmente "falta de sexo".

A abordagem da estudante é pragmática, humorística, anacrônica e redutora. Ela desmonta a visão idealizada e complexa de Camões, oferecendo uma explicação biológica/fisiológica e soluções médicas/tecnológicas. Crucialmente, ela não utiliza paradoxos ou tenta harmonizar opostos; pelo contrário, ela simplifica e oferece uma única causa.

3. Avaliação das alternativas:

  • A: A perspectiva da garota não é "puramente racional"; é mais pragmática, talvez cínica ou humorística, e redutora. Ela oferece soluções racionais (remédios), mas a explicação ("falta de sexo") é uma simplificação, não uma análise racional completa do amor.
  • B: Esta alternativa está correta. Camões harmoniza conceitos opostos (paradoxos) para definir o amor. A estudante, por outro lado, não faz isso; ela substitui a complexidade paradoxal por uma explicação única e direta.
  • C: A estudante menciona tecnologias (computador, internet), mas seu texto não "reverencia" o amor; pelo contrário, desmistifica-o de forma irreverente e humorosa.
  • D: Ela sugere a Medicina, mas não menciona "mídias sociais" especificamente (fala em "Internet" de forma geral). Além disso, o foco não é encontrar "conforto", mas sim diagnosticar e "tratar" o problema de forma pragmática, reduzindo-o a uma questão física.
  • E: Tanto Camões quanto a estudante buscam explicações para o fenômeno. Camões busca explicações poéticas e filosóficas através de paradoxos. A estudante busca uma explicação moderna, médica e fisiológica ("falta de sexo"). Portanto, é incorreto dizer que a estudante não busca explicações.

Conclusão: A alternativa B descreve com precisão a diferença fundamental na abordagem dos dois textos: a presença da tentativa de harmonizar conceitos opostos em Camões e a ausência dessa característica na releitura da estudante.

Dicas

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Qual é a principal técnica que Camões usa para descrever o amor em seus versos? Pense em como ele junta ideias opostas.
A estudante concorda com a visão de Camões sobre o amor ou oferece uma visão alternativa e contrastante?
Qual é o tom do texto da estudante: sério, respeitoso, crítico, humorístico?

Erros Comuns

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Não reconhecer o uso de paradoxos e oxímoros como a principal característica dos versos de Camões.
Interpretar o tom da estudante como sério ou reverente, em vez de humorístico e irreverente.
Achar que a explicação da estudante ("falta de sexo") não conta como uma "busca por explicação" (Alternativa E).
Confundir a menção à "Internet" com "mídias sociais" e interpretar a sugestão de remédios como busca por "conforto" em vez de "tratamento/diagnóstico" (Alternativa D).
Considerar a abordagem da estudante como "puramente racional" sem perceber o elemento de simplificação e humor (Alternativa A).
Revisão

Para resolver esta questão, é importante revisar:

  • Interpretação de Texto: Habilidade de compreender as ideias centrais, a estrutura argumentativa e o tom de diferentes textos.
  • Literatura Clássica (Camões): Familiaridade com as características da poesia lírica de Camões, especialmente o uso de conceitos filosóficos e figuras de linguagem para expressar a complexidade dos sentimentos.
  • Figuras de Linguagem:
    • Paradoxo: União de duas ideias aparentemente contraditórias, mas que podem conter um sentido profundo (ex: "ferida que dói e não se sente").
    • Oxímoro: Combinação de palavras de sentidos opostos numa mesma expressão (ex: "contentamento descontente").
  • Intertextualidade: Relação entre dois ou more textos, onde um texto dialoga com, cita, parodia ou reinterpreta outro. Aqui, o texto da estudante é uma releitura/paródia do poema de Camões.
  • Comparação Textual: Habilidade de identificar semelhanças e diferenças entre textos quanto ao tema, abordagem, estilo, tom e uso de recursos linguísticos.
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