A seguir, leia o texto “Paisagem do Capibaribe”, extraído do poema “O cão sem plumas”, de João Cabral de Melo Neto, para responder à questão
Paisagem do Capibaribe
Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
Como um cão humilde e espesso.
[5] Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
[10] coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.
Como o rio
aqueles homens
[15] são como cães sem plumas
(um cão sem plumas
é mais
que um cão saqueado;
é mais
[20] que um cão assassinado.
Um cão sem plumas
é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
[25] É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).
O rio sabia
daqueles homens sem plumas.
[30] Sabia de suas barbas expostas,
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa.
Ele sabia também
dos grandes galpões da beira dos cais
[35] (onde tudo
é uma imensa porta
sem portas)
escancarados
aos horizontes que cheiram a gasolina.
[40] E sabia
da magra cidade de rolha,
onde homens ossudos,
onde pontes, sobrados ossudos
(vão todos
[45] vestidos de brim)
secam
até sua mais funda caliça.
Mas ele conhecia melhor
os homens sem pluma.
[50] Estes
secam
ainda mais além
de sua caliça extrema;
ainda mais além
[55] de sua palha;
mais além
da palha de seu chapéu;
mais além
até
[60] da camisa que não têm;
muito mais além do nome
mesmo escrito na folha
do papel mais seco.
Porque é na água do rio
[65] que eles se perdem
(lentamente
e sem dente).
Ali se perdem
(como uma agulha não se perde).
[70] Ali se perdem
(como um relógio não se quebra).
Ali se perdem
como um espelho não se quebra.
Ali se perdem
[75] como se perde a água derramada:
sem o dente seco
com que de repente
num homem se rompe
o fio de homem.
MELO NETO, João Cabral. Obra completa. Organização de Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 109-110.
João Cabral de Melo Neto é conhecido por usar metáforas e analogias surpreendentes em suas obras poéticas. A partir dessa informação, releia a terceira e quarta estrofes de “Paisagem do Capibaribe” (linhas 13 a 27) e marque a resposta CORRETA.
Nos versos em questão, a metáfora do homem como cão sem plumas revela um indivíduo que perdeu a sua essência humana.
Nas terceira e quarta estrofes, os homens são comparados aos rios que se inundam quando as chuvas torrenciais atingem o sertão.
Ao inserir a figura do cão sem plumas, João Cabral de Melo Neto silencia as vozes dos homens miseráveis que vivem à margem da sociedade.
A metáfora do cão sem plumas descreve, poeticamente, as condições favoráveis em que vivem os homens do Nordeste brasileiro.
Na metáfora do cão sem plumas, o poeta animaliza a figura do cão que vive faminto às margens do rio Capibaribe.