ITA 2019

A questão se refere aos textos a seguir

 

Texto 1

 

[1]  As discussões muitas vezes acaloradas sobre o reconhecimento da pixação como expressão artística trazem
à tona um questionamento conceitual importante: uma vez considerado arte contemporânea, o movimento perderia
sua essência? Para compreendermos os desdobramentos da pixação, alguns aspectos presentes no graffiti são
essenciais e importantes de serem resgatados. O graffiti nasceu originalmente nos EUA, na década de 1970, como
um dos elementos da cultura hip-hop (Break, MC, DJ e Graffiti). Daí até os dias atuais, ele ganhou em força,
criatividade e técnica, sendo reconhecido hoje no Brasil como graffiti artístico. Sua caracterização como arte
contemporânea foi consolidada definitivamente por volta do ano 2000.
[2]  A distinção entre graffiti e pixação é clara; ao primeiro é atribuída a condição de arte, e o segundo é
classificado como um tipo de prática de vandalismo e depredação das cidades, vinculado à ilegalidade e
marginalidade. Essa distinção das expressões deu-se em boa parte pela institucionalização do graffiti, com os
primeiros resquícios já na década de 1970.
[3]  Esse desenvolvimento técnico e formal do graffiti ocasionou a perda da potência subversiva que o marca
como manifestação genuína de rua e caminha para uma arte de intervenção domesticada enquadrada cada vez
mais nos moldes do sistema de arte tradicional. O grafiteiro é visto hoje como artista plástico, possuindo as
características de todo e qualquer artista contemporâneo, incluindo a prática e o status. Muito além da diferenciação
conceitual entre as expressões – ainda que elas compartilhem da mesma matéria-prima – trata-se de sua força e
essência intervencionista.
[4]  Estudos sobre a origem da pixação afirmam que o graffiti nova-iorquino original equivale à pixação brasileira;
os dois mantêm os mesmos princípios: a força, a explosão e o vazio. Uma das principais características do pixo é
justamente o esvaziamento sígnico, a potência esvaziada. Não existem frases poéticas, nem significados. A pixação
possui dimensão incomunicativa, fechada, que não conversa com a sociedade. Pelo contrário, de certa forma, a
agride. A rejeição do público geral reside na falta de compreensão e intelecção das inscrições; apenas os membros
da própria comunidade de pixadores decifram o conteúdo.
[5]  A significância e a força intervencionista do pixo residem, portanto, no próprio ato. Ela é evidenciada pela
impossibilidade de inserção em qualquer estatuto pré-estabelecido, pois isso pressuporia a diluição e a perda de
sua potência signo-estética. Enquanto o graffiti foi sendo introduzido como uma nova expressão de arte
contemporânea, a pichação utilizou o princípio de não autorização para fortalecer sua essência.
[6]  Mas o quão sensível é essa forma de expressão extremista e antissistema como a pixação? Como lidar com
a linha tênue dos princípios estabelecidos para não cair em contradição? Na 26ª Bienal de Arte de São Paulo, em
2004, houve um caso de pixo na obra do artista cubano naturalizado americano, Jorge Pardo. Seu comentário,
diante da intervenção, foi “Se alguém faz alguma coisa no seu trabalho, isso é positivo, para mim, porque
escolheram a minha peça entre as expostas” […]. “Quem fez isso deve discordar de alguma coisa na obra. Pode ser
outro artista fazendo sua própria obra dentro da minha. Pode ser só uma brincadeira” e finalizou dizendo que “pichar
a obra de alguém também não é tão incomum. Já é tradicional”.
[7]  É interessante notar, a partir do depoimento de Pardo, a recorrência de padrões em movimentos de qualquer
natureza, e o inevitável enquadramento em algum tipo de sistema, mesmo que imposto e organizado pelos próprios
elementos do grupo. Na pixação, levando em conta o “sistema” em que estão inseridos, constatamos que também
passa longe de ser perfeito; existe rivalidade pesada entre gangues, hierarquia e disputas pelo “poder”.
[8]  Em 2012, a Bienal de Arte de Berlim, com o tema “Forget Fear”, considerado ousado, priorizou fatos e
inquietações políticas da atualidade. Os pixadores brasileiros, Cripta (Djan Ivson), Biscoito, William e R.C., foram
convidados na ocasião para realizar um workshop sobre pixação em um espaço delimitado, na igreja Santa
Elizabeth. Eles compareceram. Mas não seguiram as regras impostas pela curadoria, ao pixar o próprio
monumento. O resultado foi tumulto e desentendimento entre os pixadores e a curadoria do evento.
[9]  O grande dilema diante do fato é que, ao aceitarem o convite para participar de uma bienal de arte,
automaticamente aceitaram as regras e o sistema imposto. Mesmo sem adotar o comportamento esperado, caíram
em contradição. Por outro lado, pela pichação ser conhecidamente transgressora (ou pelo jeito, não tão conhecida
assim), os organizadores deveriam pressupor que eles não seguiriam padrões pré-estabelecidos.
[10]  Embora existam movimentos e grupos que consideram, sim, a pixação como forma de arte, como é o caso
dos curadores da Bienal de Berlim, há uma questão substancial que permeia a realidade dos pichadores. Quem
disse que eles querem sua expressão reconhecida como arte? Se arte pressupõe, como ocorreu com o graffiti,
adaptar-se a um molde específico, seguir determinadas regras e por consequência ver sua potência intervencionista
diluída e branda, é muito improvável que tenham esse desejo.
[11]  A representação da pixação como forma de expressão destrutiva, contra o sistema, extremista e
marginalizada é o que a mantêm viva. De certo modo, a rejeição e a ignorância do público é o que garante sua força
intervencionista e a tão importante e sensível essência. 

Adaptado de: CARVALHO, M. F. Pichação-arte é pixação? Revista Arruaça, Edição nº 0. Cásper Líbero, 2013. Disponível em Acesso em: maio 2018.

 

Texto 2

 

[1]  Em frente da minha casa existe um muro enorme, todo branco. No Facebook, uma postagem me chama
atenção: é um muro virtual e a brincadeira é pichá-lo com qualquer frase que vier à cabeça. Não quero pichar o
mundo virtual, quero um muro de verdade, igual a este de frente para a minha casa. Pelas ruas e avenidas,
vou trombando nos muros espalhados pelos quarteirões, repletos de frases tolas, xingamentos e erros de

 português. Eu bem poderia modificar isso. 

[2]  “O caminho se faz caminhando”, essa frase genial, tão forte e certeira do poeta espanhol Antonio
Machado, merece aparecer em diversos muros. Basta pensar um pouco e imaginar; de fato, não há caminho, o
caminho se faz ao caminhar.
[3]  De repente, vejo um prédio inteiro marcado por riscos sem sentido e me calo. Fui tentar entender e não
me faltaram explicações: é grafite, é tribal, coisas de difícil compreensão. As explicações prosseguem: grafite é
arte, pichar é vandalismo. O pequeno vândalo escondido dentro de mim busca frases na memória e, então,
sinto até o cheiro da lama de Woodstock em letras garrafais: “Não importam os motivos da guerra, a paz é
muito mais importante”.

[4]  Feito uma folha deslizando pelas águas correntes do rio me surge a imagem de John Lennon; junto
dela, outra frase: “O sonho não acabou”, um tanto modificada pela minha mão, tornando-se: o sonho nunca
acaba. E minha cabeça já se transforma num muro todo branco.
[5]  Desde os primórdios dos tempos, usamos a escrita como forma de expressão, os homens das cavernas
deixaram pichados nas rochas diversos sinais. Num ato impulsivo, comprei uma tinta spray, atravessei a rua
chacoalhando a lata e assim prossegui até chegar à minha sala, abraçado pela ansiedade aumentada a cada
passo. Coloquei o dedo no gatilho do spray e fiquei respirando fundo, juntando coragem e na mente
desenhando a primeira frase para pichar, um tipo de lema, aquela do Lô Borges: “Os sonhos não envelhecem”
– percebo, num sorrir de canto de boca, o quanto os sonhos marcam a minha existência.
[6]  Depois arriscaria uma frase que criei e gosto: “A lagarta nunca pensou em voar, mas daí, no espanto da
metamorfose, lhe nasceram asas...”. Ou outra, completamente tola, me ocorreu depois de assistir a um
documentário, convencido de que o panda é um bicho cativante, mas vive distante daqui e sua agonia não é
menor das dos nossos bichos. Assim pensando, as letras duma nova pichação se formaram num estalo:
“Esqueçam os pandas, salvem as jaguatiricas!”.
[7]  No muro do cemitério, escreveria outra frase que gosto: “Em longo prazo estaremos todos mortos”, do
John Keynes, que trago comigo desde os tempos da faculdade. Frases de túmulos ganhariam os muros; no de
Salvador Allende está consagrado, de autoria desconhecida: “Alguns anos de sombras não nos tornarão
cegos.” Sempre apegado aos sonhos, picharia também uma do Charles Chaplin: “Nunca abandone os seus
sonhos, porque se um dia eles se forem, você continuará vivendo, mas terá deixado de existir”.
[8]  Claro, eu poderia escrever essas frases num livro, num caderno ou no papel amassado que embrulha o
pão da manhã, mas o muro me cativa, porque está ao alcance das vistas de todos e quero gritar para o mundo
as frases que gosto; são tantas, até temo que me faltem os muros. Poderia passar o dia todo pichando frases,
as linhas vão se acabando e ainda tenho tanto a pichar... “É preciso muito tempo para se tornar jovem”, de
Picasso, “Há um certo prazer na loucura que só um louco conhece”, de Neruda, “Se me esqueceres, só uma
coisa, esquece-me bem devagarzinho”, cravada por Mário Quintana...
[9]  Encerro com Nietzsche: “Isto é um sonho, bem sei, mas quero continuar a sonhar”, que serve para
exemplificar o que sinto neste momento, aqui na minha sala, escrevendo no computador o que gostaria de
jogar nos muros lá fora, a custo me mantendo calmo, um olho na tela, outro voltado para o lado oposto da rua.
Lá tem aquele muro enorme, branco e virgem, clamando por frases. Não sei quanto tempo resistirei até puxar
o gatilho do spray

Adaptado de: ALVEZ, A. L. Um muro para pichar. Correio do Estado, fev 2018. Disponível em Acesso em: ago. 2018.

 

A partir da leitura dos textos 1 e 2, depreende-se que

 

I. os autores reiteram que grafite e pichação não são práticas artísticas bem aceitas por toda a sociedade.

II. o texto 1 menciona a ausência de poesia na pichação; o texto 2 explora a possibilidade de essa prática disseminar cultura.

III. o texto 1 contrasta grafite e pichação; já o texto 2 expressa motivações subjetivas do autor para pichar.

 

Está/ão correta/s:

a

apenas I e II. 

b

 apenas I e III.

c

 apenas II.

d

 apenas II e III.

e

 todas. 

Ver resposta
Ver resposta
Resposta
D
Resolução
Assine a aio para ter acesso a esta e muitas outras resoluções
Mais de 250.000 questões com resoluções e dados exclusivos disponíveis para alunos aio.
Tudo com nota TRI em tempo real
Saiba mais
Esta resolução não é pública. Assine a aio para ter acesso a essa resolução e muito mais: Tenha acesso a simulados reduzidos, mais de 200.000 questões, orientação personalizada, video aulas, correção de redações e uma equipe sempre disposta a te ajudar. Tudo isso com acompanhamento TRI em tempo real.
Dicas
expand_more
expand_less
Dicas sobre como resolver essa questão
Erros Comuns
expand_more
expand_less
Alguns erros comuns que estudantes podem cometer ao resolver esta questão
Conceitos chave
Conceitos chave sobre essa questão, que pode te ajudar a resolver questões similares
Estratégia de resolução
Uma estratégia sobre a forma apropriada de se chegar a resposta correta
Depoimentos
Por que os estudantes escolhem a aio
Tom
Formando em Medicina
A AIO foi essencial na minha preparação porque me auxiliou a pular etapas e estudar aquilo que eu realmente precisava no momento. Eu gostava muito de ter uma ideia de qual era a minha nota TRI, pois com isso eu ficava por dentro se estava evoluindo ou não
Sarah
Formanda em Medicina
Neste ano da minha aprovação, a AIO foi a forma perfeita de eu entender meus pontos fortes e fracos, melhorar minha estratégia de prova e, alcançar uma nota excepcional que me permitiu realizar meu objetivo na universidade dos meus sonhos. Só tenho a agradecer à AIO ... pois com certeza não conseguiria sozinha.
A AIO utiliza cookies para garantir uma melhor experiência. Ver política de privacidade
Aceitar