A questão 41 estão relacionadas ao poema Legado, de Carlos Drummond de Andrade.
Leia o poema abaixo.
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
Considere as seguintes afirmações sobre o poema.
I - No primeiro quarteto, o poeta pergunta pelo legado que deixará para o país a que deve tudo o que lhe é caro; no segundo quarteto, há uma invocação um tanto irônica do mundo, não se trata mais apenas do país: há uma ampliação da referência que atravessaria os limites geográficos para lidar com o mundo/realidade.
II - A forma soneto e a referência a Orfeu, o mitológico poeta grego capaz de encantar a todos com o som da sua lira, revelam que o modernismo de Drummond agora se associa com o parnasianismo, o que permite ao poeta reivindicar uma posição fixa na tradição, em contraste com Orfeu, perplexo entre o talvez e o se.
III - No último terceto, o poeta alega que, da sua trajetória um tanto instável, restará uma pedra que havia em meio do caminho, o que equivale a uma paráfrase, agora em registro formal e sério, dos versos do célebre poema do início de sua carreira modernista: No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho (...).
Quais estão corretas?
Apenas II.
Apenas III.
Apenas I e II.
Apenas I e III.
I, II e III.
Neste poema de Drummond, o poeta reflete sobre o legado que deixará e retoma o célebre motivo da “pedra no meio do caminho”. Observando atentamente os versos, percebemos que há uma transição entre o país (no primeiro quarteto) e o mundo (no segundo quarteto), ampliando o questionamento sobre sua herança poética. Ao final, o autor conclui que, apesar de não deixar “canto radioso” ou algum feito grandioso, ficará na memória o símbolo da “pedra”, recurso já explorado em outro poema marcante de sua carreira. Assim, avalia-se que as afirmações I e III interpretam corretamente as referências e a linguagem do texto, enquanto a II exagera ao concluir que há adesão ao parnasianismo. Consequentemente, a resposta correta é a letra D, que contempla apenas as proposições I e III como verdadeiras.
Modernismo de Drummond: caracterizado por linguagem mais livre, crítica ao formalismo parnasiano e uso de temas cotidianos, mas sem deixar de dialogar com a tradição literária.
A forma do soneto: apesar de associada a correntes clássicas, Drummond a utiliza de modo renovado, moderno, fugindo de valores rígidos.
Referência a “No meio do caminho”: poema marco do modernismo brasileiro, em que o poeta emprega a repetição para enfatizar uma pedra no caminho, dando significado simbólico a esse obstáculo.