UNCISAL 2013

A máscara da face

 

Já escrevi aqui sobre o rosto humano, a propósito da descoberta que fizera então, óbvia e surpreendente, de que “estamos na cara”, isto é, em nossa cara. E apesar de já tê-lo dito e de sabê-lo, continuo a me surpreender com esse fato banal, que se torna mais evidente quando vejo um lindo rosto de mulher: ela tem ombros, busto, quadris, coxas e pernas, move-se na quadra de tênis como se voasse – como Maria Sharapova –, mas tudo se resume, para nós, num rosto.

E então pensei no contrário do rosto: pensei na máscara, no que não somos. Porque o rosto é o que somos, inventou-se a máscara, a ocultação do que somos.

Certamente já escreveram sobre isso. Deve haver estudos e teorias sobre esse tema, pelo qual nunca me interessara, até este momento. Lembro-me de que uma das primeiras pinturas rupestres, do paleolítico, mostra uma figura mascarada, que se supõe seja um feiticeiro ou um caçador disfarçado de animal. Se for uma coisa ou outra, o significado de mascarar-se será diferente: sendo o caçador, é um disfarce; se for um feiticeiro, trata-se da representação de uma entidade mítica, dotada de poderes sobrenaturais.

Ao longo da história, em povos e civilizações diferentes, a máscara representava espíritos em geral demoníacos, que participavam de rituais, fosse para exorcizá-los, fosse para atemorizar os membros da comunidade e torná-los obedientes e submissos. Muitas dessas máscaras, que estão hoje em museus de antropologia, exageram na expressão assustadora, na feiura que seria própria dos demônios.

Mas a máscara tem tido funções diferentes nas diferentes culturas, seja como um modo de garantir a vida depois da morte, como no antigo Egito, seja como um modo de enganá-la, cobrindo o rosto do cadáver com uma cara inventada.

Aliás, como é óbvio, a máscara, falso rosto, foi criada para enganar, pelo fato mesmo de que, como ficou dito, nosso rosto somos nós. E, se assim é, ele nos identifica e, portanto, nos denuncia, pelos traços fisionômicos, mas também pela expressão do olhar. De cara exposta, olho no olho, é quase impossível fingir, mentir, enganar, mas, por trás da máscara, estamos a salvo do olhar perscrutador. Não adianta fitar os olhos, se não sabe de quem são.

Devemos admitir que desse olhar perscrutador queremos todos escapar e aí talvez esteja a razão fundamental porque a máscara esteve sempre tão presente na vida dos povos. No Ocidente, particularmente, a partir do desenvolvimento da economia, o olhar que indaga foi se tornando mais agudo e necessário: é que nasceu o comércio, a transação fundada na confiança e, então, segundo Arnaldo Hauser, surge a psicologia. Essa situação fez nascer um outro tipo de máscara, ou seja, o cara-de-pau, que não hesita em se fazer passar pelo que não é.  E assim, além da máscara material, existe a de cara limpa. A máscara virtual do fingidor.

E aqui tocamos num ponto que explica, em grande parte, a invenção da máscara pelo homem, o fato de que, se o rosto que temos somos nós, nem sempre queremos expô-lo, porque nem sempre queremos nos expor, não só por autodefesa como também porque não sabemos quem somos e não sabemos, tampouco, se o outro, ao nos olhar, nos vê como somos ou desejamos ser vistos. É que o que somos só ganha realidade pelo reconhecimento do outro, ou seja, não somos, de fato, senão porque nos inventamos tal como queremos que o outro nos reconheça e aprove. Esse personagem inventado, que mostramos ao outro, exige de nós equilíbrio e adequação ao meio social, a fim de que ele nos aceite como pessoa verdadeira e não como um "mascarado".

Essa relação do rosto e da máscara parece decorrer da necessidade que temos de ficar livres do olhar do outro e livres, portanto, de sermos, para ele, aquela mesma pessoa de quem espera as mesmas coisas. Por essa razão, Jean-Paul Sartre dizia que “o inferno são os outros”.

A questão toda é que nem para nós somos os mesmos, sempre, totalmente fiéis aos princípios que decidimos adotar. Ser ético não é jamais se deixar tentar pelo erro e, sim, resistir à tentação, para poder, depois, olhar-se no espelho, sem sentir constrangimento.

Talvez o certo seja dizer que o rosto é a máscara que o acaso biológico nos impôs como identidade e é o espelho que nos informa da cara que é nossa, gostemos ou não. Mas, segundo li, nos Estados Unidos, graças à cirurgia plástica, já se pode trocar o rosto de nascença pelo de uma bela atriz ou de um belo ator, que se admira. E andar com a cara dela (ou dele) pelas ruas da cidade.

(Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo, de 6/08/08)

Dadas as proposições subsequentes, com base nos aspectos morfossintáticos,

I. Em “Ser ético não é jamais se deixar tentar pelo erro e, sim, resistir à tentação” (10º parágrafo), a conjunção “e” deve ser classificada como coordenativa e inicia oração com valor semântico de oposição.

II. No trecho “Mas a máscara tem tido funções diferentes nas diferentes culturas” (5º parágrafo), os termos em destaque são ambos adjetivos; contudo, apresentam distintas funções sintáticas e foram empregados, também, com sentidos distintos.

III. Os verbos “nascer” e “andar”, presentes em “Essa situação fez nascer um outro tipo de máscara” (7º parágrafo) e em “E andar com a cara dela (ou dele) pelas ruas da cidade” (11º parágrafo), são transitivos e foram empregados com complemento direto e indireto, respectivamente.

IV. No período “Muitas dessas máscaras, que estão hoje em museus de antropologia, exageram na expressão assustadora, na feiura que seria própria dos demônios”

(4º parágrafo), os termos destacados são classificados morfologicamente como pronomes relativos e exercem funções sintáticas de sujeito e de objeto direto, respectivamente.

verifica-se que

a

I, II e III são verdadeiras.

b

somente I e II são verdadeiras.

c

somente III e IV são verdadeiras.

d

todas são falsas.

e

há apenas uma verdadeira.

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Resposta
E

Resolução

No enunciado, cada afirmação faz referência a aspectos morfológicos e sintáticos do texto de Ferreira Gullar. Analisando os itens:

I. Em “Ser ético não é jamais se deixar tentar pelo erro e, sim, resistir à tentação”, a conjunção e funciona como coordenativa com sentido adversativo (equivalendo a “mas sim”). Esse uso é correto, pois introduz a ideia de oposição (“não é X, mas sim Y”). Logo, o item I é verdadeiro.

II. Em “funções diferentes” e “diferentes culturas”, a palavra diferentes aparece como adjetivo em ambos os casos e desempenha, sintaticamente, o mesmo papel de adjunto adnominal. Embora tenham nuances de sentido, não há diferença de função sintática em “funções diferentes” e “diferentes culturas”. Portanto, o item II é falso.

III. “Essa situação fez nascer um outro tipo de máscara” e “E andar com a cara dela (ou dele) pelas ruas da cidade” não tornam nascer nem andar verbos transitivos. Em “fez nascer”, o verbo principal é fazer e nascer é usado de forma intransitiva. Da mesma forma, andar não recebe objeto direto ou indireto; “com a cara dela (ou dele)” é adjunto adverbial (preposição com). Logo, o item III é falso.

IV. Em “Muitas dessas máscaras, que estão hoje em museus..., na feiura que seria própria...”, o primeiro que é pronome relativo com função de sujeito do verbo “estão”. O segundo que também é pronome relativo, mas exerce novamente função de sujeito do verbo seria (“que seria própria...”). Não há objeto direto nessa segunda oração, pois ser é verbo de ligação. Portanto, a afirmação de que um deles é objeto direto é falsa.

Apenas a afirmação I é verdadeira, correspondendo à alternativa (E), que indica que há apenas uma proposição verdadeira.

Dicas

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Observe quando uma conjunção e desempenha papel adversativo.
Verifique se “nascer” pode receber complemento direto.
Localize a função do pronome relativo em cada oração.

Erros Comuns

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Classificar tanto “nascer” quanto “andar” como transitivos.
Acreditar que no segundo “que” haja objeto direto em vez de sujeito.
Pressupor que “diferentes” exerça funções sintáticas distintas em “funções diferentes” e “diferentes culturas”.
Revisão
1) Conjunções coordenativas podem assumir diferentes valores semânticos, inclusive adversativo em alguns contextos, como em “Não é X, e sim Y”.
2) Adjetivos exercem função de adjunto adnominal quando modificam diretamente um substantivo, concordando em gênero e número, servindo para caracterizá-lo.
3) Verbos como nascer e andar são, em geral, intransitivos; já fazer pode introduzir oração reduzida de infinitivo, em que o segundo verbo não receberá objeto direto ou indireto.
4) O pronome relativo que pode exercer diferentes funções sintáticas (sujeito, objeto direto etc.), dependendo do contexto; porém “ser” é verbo de ligação e não admite complementos diretos.
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