FMP 2014

A máquina extraviada

 

Você sempre pergunta pelas novidades daqui

deste sertão, e finalmente posso lhe contar uma

importante. Fique o compadre sabendo que agora

temos aqui uma máquina imponente, que está entusiasmando

todo o mundo. Desde que ela chegou

– não me lembro quando, não sou muito bom em lembrar

datas – quase não temos falado em outra coisa;

e da maneira como o povo aqui se apaixona até pelos

assuntos mais infantis, é de admirar que ninguém

tenha brigado por causa dela, a não ser os políticos.

A máquina chegou uma tarde, quando as famílias

estavam jantando ou acabando de jantar, e foi

descarregada na frente da Prefeitura. Com os gritos

dos choferes e seus ajudantes (a máquina veio em

dois ou três caminhões) muita gente cancelou a sobremesa

ou o café e foi ver que algazarra era aquela.

Como geralmente acontece nessas ocasiões, os homens

estavam mal-humorados e não quiseram dar

explicações, esbarravam propositalmente nos curiosos,

pisavam-lhes os pés e não pediam desculpa, jogavam

as pontas de cordas sujas de graxa por cima

deles, quem não quisesse se sujar ou se machucar

que saísse do caminho.

Descarregadas as várias partes da máquina, foram

elas cobertas com encerados e os homens entraram

num botequim do largo para comer e beber.

Muita gente se amontoou na porta mas ninguém teve

coragem de se aproximar dos estranhos porque um

deles, percebendo essa intenção nos curiosos, de

vez em quando enchia a boca de cerveja e esguichava

na direção da porta. Atribuímos essa esquiva

ao cansaço e à fome deles e deixamos as tentativas

de aproximação para o dia seguinte; mas quando os

procuramos de manhã cedo na pensão, soubemos

que eles tinham montado mais ou menos a máquina

durante a noite e viajado de madrugada.

A máquina ficou ao relento, sem que ninguém

soubesse quem a encomendou nem para que servia.

É claro que cada qual dava o seu palpite, e cada palpite

era tão bom quanto outro.

As crianças, que não são de respeitar mistério,

como você sabe, trataram de aproveitar a novidade.

Sem pedir licença a ninguém (e a quem iam pedir?),

retiraram a lona e foram subindo em bando pela máquina

acima – até hoje ainda sobem, brincam de esconder

entre os cilindros e colunas, embaraçam-se

nos dentes das engrenagens e fazem um berreiro

dos diabos até que apareça alguém para soltá-las;

não adiantam ralhos, castigos, pancadas; as crianças

simplesmente se apaixonaram pela tal máquina.

Contrariando a opinião de certas pessoas que

não quiseram se entusiasmar, e garantiram que em poucos dias a novidade passaria e a ferrugem tomaria

conta do metal, o interesse do povo ainda não diminuiu.

Ninguém passa pelo largo sem ainda parar

diante da máquina, e de cada vez há um detalhe novo

a notar. [...]

Ninguém sabe mesmo quem encomendou a

máquina. O prefeito jura que não foi ele, e diz que

consultou o arquivo e nele não encontrou nenhum

documento autorizando a transação. Mesmo assim

não quis lavar as mãos, e de certa forma encampou

a compra quando designou um funcionário para zelar

pela máquina. [...]

 

VEIGA, J. J. A máquina extraviada. In: MORICONI, I. Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 229-232.

No Texto I, o trecho “Mesmo assim não quis lavar as mãos, e de certa forma encampou a compra quando designou um funcionário para zelar pela máquina.” (L. 61-64) significa que o prefeito decidiu

a

esperar até receber uma comunicação sobre quem encomendara a máquina.

b

assumir a responsabilidade pela máquina e por sua manutenção.

c

adquirir a máquina para uso exclusivo da prefeitura.

d

procurar a pessoa ou o órgão que havia solicitado a máquina.

e

não se sujar no manuseio da máquina, atribuindo a tarefa a um funcionário.

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Resposta
B

Resolução

Para resolver esta questão, é preciso compreender o sentido do excerto citado – especialmente a expressão “não quis lavar as mãos” – e observar o contexto narrativo em que o prefeito, embora não saiba quem encomendou a máquina, decide assumir uma postura de cuidado com o equipamento. Em termos práticos, “não lavar as mãos” equivale a não se eximir de responsabilidade. Ao “designar um funcionário para zelar pela máquina”, ele passa a assumir e manter a responsabilidade sobre ela, ainda que formalmente não tenha sido o responsável pela encomenda. Assim, a alternativa que melhor capta esse sentido é a que aponta que o prefeito decidiu assumir a responsabilidade pela máquina e sua manutenção.

Dicas

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Observe o sentido figurado da expressão ‘não lavar as mãos’.
Considere como o prefeito delegou a tarefa, mas ainda assim assumiu a responsabilidade final.

Erros Comuns

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Achar que ‘não lavar as mãos’ significaria literalidade, confundindo o ato de não querer se sujar com a responsabilidade assumida.
Supor que o prefeito se exime de responsabilidade por ter nomeado outra pessoa para a tarefa, sem entender o contexto figurativo.
Interpretar ‘encampar a compra’ como apenas comprar efetivamente, em vez de assumir a responsabilidade de cuidar da máquina.
Revisão

Expressão “não lavar as mãos”: Essa expressão idiomática significa que uma pessoa não deseja eximir-se de responsabilidade ou “ficar fora” de uma situação. É o contrário de “lavar as mãos”, o que significaria se isentar completamente do problema. No texto, o prefeito escolhe não se isentar, cabendo-lhe assumir o cuidado com a máquina.

Verbo “encampar”: Esse verbo, no sentido figurado, significa “adotar uma ideia ou iniciativa”, “passar a ter responsabilidade ou controle sobre algo”. No texto, o prefeito encampa a compra e, nesse sentido, passa a ser responsável pela máquina.

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