A infância é um dos temas presentes na poesia lírica da maioria dos poetas. Bandeira, Drummond e João Cabral não são exceções. Cada um deles tratou do tema, obedecendo às suas concepções de lirismo. Leia os três poemas a seguir:
Poema 1
Profundamente
Manuel Bandeira
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Poema 2
Infância
Carlos Drummond de Andrade
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Poema 3
Infância
João Cabral de Melo Neto
Sobre o lado ímpar da memória
o anjo da guarda esqueceu
perguntas que não se respondem.
Seriam hélices
aviões locomotivas
timidamente precocidade
balões-cativos si-bemol?
Mas meus dez anos indiferentes
rodaram mais uma vez
nos mesmos intermináveis carrosséis.
Sobre eles, assinale a alternativa CORRETA.
Os três poemas têm o eu lírico idêntico, pois apresentam um lirismo exacerbado, próprio do estilo romântico, peculiar aos textos que, independentemente dos poetas, resgatam o tema da infância.
Os poemas de Bandeira e de João Cabral revelam que seus criadores são pernambucanos. Nos dois textos, em versos rigidamente metrificados, a palavra 'balão‘ é usada com sentido diferente.
Os três poemas, embora pertençam a poetas de movimentos literários completamente diferentes e temporalmente distantes, tratam do mesmo tema, mas nenhum deles revela a saudade da infância.
Nos três poemas, o eu lírico apresenta intimismo, pois eles são elaborados em primeira pessoa. Contudo, o lirismo vai, de modo gradativo, sendo depurado em ordem decrescente: forte em Bandeira, atenuado em Drummond e minimizado em Cabral.
Os poemas revelam sentimentalismo próprio do intimismo simbolista, razão pela qual são líricos intimistas, além de serem cromáticos e apresentarem musicalidade excessiva.