PUC-MG 2021

A importância do ato de ler2

 

Paulo Freire

 

Continuando neste esforço de “re-ler” momentos fundamentais de experiências de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo através de sua prática, retomo o tempo em que, como aluno do chamado curso ginasial, me experimentei na percepção crítica dos textos que lia em classe, com a colaboração, até hoje recordada, do meu então professor de língua portuguesa. Não eram, porém, aqueles momentos puros exercícios de que resultasse um simples dar-nos conta de uma página escrita diante de nós que devesse ser cadenciada, mecânica e enfadonhamente “soletrada” e realmente lida. Não eram aqueles momentos “lições de leitura”, no sentido tradicional desta expressão. Eram momentos em que os textos se ofereciam à nossa inquieta procura, incluindo a do então jovem professor José Pessoa.

 

Algum tempo depois, como professor também de português, nos meus vinte anos, vivi intensamente a importância de ler e de escrever, no fundo indicotomizáveis, com os alunos das primeiras séries do então chamado curso ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concordância, o problema da crase, o sinclitismo pronominal, nada disso era reduzido por mim a tabletes de conhecimentos que devessem ser engolidos pelos estudantes. Tudo isso, pelo contrário, era proposto à curiosidade dos alunos de maneira dinâmica e viva, no corpo mesmo de textos, ora de autores que estudávamos, ora deles próprios, como objetos a serem desvelados e não como algo parado, cujo perfil eu descrevesse. Os alunos não tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua significação profunda. Só apreendendo-a seriam capazes de saber, por isso, de memorizá-la, de fixá-la. A memorização mecânica da descrição do elo não se constitui em conhecimento do objeto. Por isso, é que a leitura de um texto, tomado como pura descrição de um objeto é feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura, nem dela portanto resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala.

 

Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes “leiam”, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes em que jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas bibliografias a serem muito mais “devoradas" do que realmente lidas ou estudadas. [...]

 

A insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada. A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas. No entanto, um dos documentos filosóficos mais importantes de que dispomos, As teses sobre Feuerbach, de Marx, tem apenas duas páginas e meia.

 

Parece importante, contudo, para evitar uma compreensão errônea do que estou afirmando, sublinhar que a minha crítica à magicização da palavra não significa, de maneira alguma, uma posição pouco responsável de minha parte com relação à necessidade que temos, educadores e educandos, de ler, sempre e seriamente, os clássicos neste ou naquele campo do saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores e estudantes.

Para Paulo Freire, um processo de aprendizagem da leitura pressupõe:

 

I. acesso a um grande e variado conjunto de textos para leitura e memorização dos preceitos e informações ali contidos.

II. aprendizagem de aspectos como concordância, regência verbal e nominal, uso da crase, enfim, conhecimentos linguísticos aplicados à compreensão textual.

III. acesso a textos autorais dos próprios professores e alunos, cuja interpretação se dá, de forma viva e dinâmica, para detecção dos expedientes utilizados para construção textual.

IV. compreensão de textos de qualidade, usualmente, aqueles de maior extensão e complexidade, por pressuporem pesquisa e análise.

 

Estão CORRETAS as afirmativas:

a

I e II, apenas. 

b

I e III, apenas. 

c

II e III, apenas. 

d

I, II, III e IV.

Ver resposta
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Resposta
C

Resolução

Para responder a essa questão, precisamos analisar as afirmações apresentadas e confrontá-las com os trechos do texto de Paulo Freire. Ele é bastante criterioso ao afirmar que a leitura não deve se centrar em mera memorização de regras ou busca quantitativa de leituras, mas, ao contrário, em processos significativos que associem o estudo da língua à compreensão real dos textos.

• A afirmativa I diz respeito à memorização de preceitos e informações, algo criticado por Paulo Freire no texto. Ele destaca que não basta "devorar" um grande número de leituras sem o devido aprofundamento e compreensão, muito menos focar em memorizações automáticas. Portanto, essa afirmativa entra em conflito com a concepção de leitura do autor e está incorreta.

• A afirmativa II trata da aprendizagem de aspectos gramaticais (como concordância, crase, etc.), mas sempre aplicados à compreensão textual. O texto de Freire menciona explicitamente que esses conhecimentos podem e devem ser trabalhados de forma dinâmica, viva, no contexto dos textos lidos. Isso está em harmonia com as ideias defendidas pelo autor, então essa afirmativa está correta.

• A afirmativa III aborda o uso de textos autorais do professor e dos próprios alunos, de forma ativa e dinâmica, para compreender os recursos utilizados na construção textual. Paulo Freire dá exemplos desse tipo de abordagem no texto ao dizer que ele trabalhava com produções dos próprios alunos. Portanto, essa afirmativa também está correta.

• A afirmativa IV observa que textos de qualidade seriam sempre os mais longos e complexos. Entretanto, Freire faz uma crítica ao conceito de que quantidade e extensão de texto sejam sinônimo de qualidade ou maior aprendizado (ele cita, por exemplo, a obra "Teses sobre Feuerbach", que tem poucas páginas, mas é profunda). Desse modo, o texto não reforça a ideia de que os textos devam ter grande extensão e complexidade para serem válidos; logo, essa afirmativa não condiz com o posicionamento de Freire e está incorreta.

Assim, as afirmações corretas são apenas a II e III, que corresponde à alternativa (C).

Dicas

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Releia o texto observando como Paulo Freire critica a memorização mecânica.
Observe como o autor valoriza a interpretação criativa e dinâmica de textos próprios e de outros autores.

Erros Comuns

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Acreditar que Paulo Freire defende apenas leitura de muitos textos sem aprofundamento.
Pensar que a memorização mecânica de regras gramaticais atende aos pressupostos de Freire.
Interpretar que textos de maior extensão são necessariamente melhores para o aprendizado.
Revisão
Os principais conceitos envolvidos são:

1. A formação leitora e a concepção crítica da leitura, segundo Paulo Freire, que exige não só quantidade, mas principalmente qualidade e profundidade na compreensão.
2. A aprendizagem de aspectos gramaticais atrelada à compreensão significativa dos textos, em vez de mera memorização mecânica.
3. A importância de valorizar produções autorais no processo educativo, incentivando professores e alunos a escreverem e lerem seus próprios textos, com abordagem reflexiva.
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