FUVEST 1988

A FLAUTA E O SABIÁ

Em rico estojo de veludo, pousado sobre uma mesa de charão, jazia uma flauta de prata. Justamente por cima da mesa, em riquíssima gaiola suspensa ao teto, morava um sabiá. Estando a sala em silêncio, e descendo um raio de sol sobre a gaiola, eis que o sabiá, contente, modula uma ária.

Logo a flauta escarninha põe-se a casquinar no estojo como a zombar do módulo cantor silvestre.

– De que te ris? indaga o pássaro.

E a flauta em resposta:

– Ora esta! pois tens coragem de lançar guinchos diante de mim?

– E tu quem és? ainda que mal pergunte.

– Quem sou? Bem se vê que és um selvagem. Sou a flauta. Meu inventor, Mársias, lutou com Apolo e venceu-o. Por isso o deus despeitado o imolou. Lê os clássicos.

– Muito prazer em conhecer… Eu sou um mísero sabiá da mata, pobre de mim! fui criado por Deus muito antes das invenções. Mas deixemos o que lá foi. Dize-me: que fazes tu?

– Eu canto.

– O ofício rende pouco. Eu que o diga que não faço outra coisa. Deixarei, todavia, de cantar – e antes nunca houvesse aberto o bico porque, talvez, sendo mudo, não me houvessem escravizado – se, ouvindo a tua voz, convencer-me de que és superior a mim. Canta! Que eu aprecie o teu gorjeio e farei como for de justiça.

– Que eu cante?!…

– Pois não te parece justo o meu pedido?

– Eu canto para regalo dos reis nos paços; a minha voz acompanha hinos sagrados nas igrejas. O meu canto é a harmoniosa inspiração dos gênios ou a rapsódia sentimental do povo.

– Pois venha de lá esse primor. Aqui estou para ouvir-te e para proclamar-te, sem inveja, a rainha do canto.

– Isso agora não é possível.

– Não é possível! por quê?

– Não está cá o artista.

– Que artista?

– O meu senhor, de cujos lábios sai o sopro que transformo em melodia. Sem ele nada posso fazer.

– Ah! é assim?

– Pois como há de ser?

– Então, minha amiga – modéstia à parte – vivam os sabiás! Vivam os sábias e todos os pássaros dos bosques, que cantam quando lhes apraz, tirando do próprio peito o alento com que fazem a melodia. Assim da tua vanglória há muitos que se ufanam. Nada valem se os não socorre o favor de alguém; não se movem se os não amparam; não cantam se lhes não dão sopro; não sobem se os não empurram. O sabiá voa e canta – vai à altura porque tem asas, gorjeia porque tem voz. E sucede sempre serem os que vivem do prestígio alheio, os que mais alegam triunfos. Flautas, flautas… cantam nos paços e nas catedrais… pois venha daí um dueto comigo.

E, ironicamente, a toda a voz, pôs-se a cantar o sabiá, e a flauta de prata, no estojo de veludo… moita.

Faltava-lhe o sopro

"... que não faço outra coisa."

"Que eu aprecie o teu gorjeio..."

Nas passagens acima, a palavra que pede equivaler, respectivamente, a:
a
já que e a fim de que.
b
se bem que e visto que.
c
posto que e até que.
d
ao passo que e sempre que.
e
desde que a ainda que.
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Resposta
A

Resolução

Neste texto, as expressões em que a palavra “que” aparece assumem respectivamente os valores de “já que” e “a fim de que”. Observando o contexto:

  • “... que não faço outra coisa.”
    Indica razão ou causa, equivalendo a “já que não faço outra coisa”, “pois não faço outra coisa”.
  • “Que eu aprecie o teu gorjeio...”
    Indica finalidade ou objetivo, podendo ser substituído por “para que” ou “a fim de que eu aprecie o teu gorjeio”.

Dessa forma, a alternativa correta é aquela que traz esses valores, que é a alternativa A.

Dicas

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Tente substituir cada “que” por outra locução interrogando a frase: “por que?” ou “para quê?”.
Observe que o primeiro “que” vincula-se a algo que justifica a afirmação anterior, enquanto o segundo introduz uma finalidade.

Erros Comuns

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Confundir os diferentes valores semânticos do “que” (e.g. achar que ele indica condição ou explicação em todos os casos).
Não prestar atenção ao contexto, onde o “que” pode exprimir causa ou finalidade.
Revisão

Valor semântico da conjunção “que”: na língua portuguesa, a palavra “que” pode apresentar valores diferentes, a depender do contexto. Pode indicar causa, finalidade, condição e muitos outros sentidos. Neste caso, o uso da conjunção “que” aparece em dois contextos diferentes, sendo identificados como “já que” (causal) e “a fim de que” (finalidade).

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