A evolução progressiva da arte resulta do duplo caráter do “espírito apolíneo” e do “espírito dionisíaco”, tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio de lutas que são perpétuas e por aproximações que são periódicas. Tais designações, fomos nós buscá-las aos gregos. Foram eles que tornaram inteligível ao pensador o sentido oculto e profundo da concepção artística com auxílio das figuras altamente significativas do mundo dos seus deuses. É, pois, às suas divindades das artes, que se refere a nossa consciência do extraordinário antagonismo que existe no mundo grego. Estes dois instintos impulsivos andam lado a lado e na maior parte do tempo em guerra aberta para darem origem a criações novas, cada vez mais robustas, até que, por fim, os dois instintos se encontrem e se abracem para gerarem a obra superior que será ao mesmo tempo apolínea e dionisíaca – a tragédia ática.
(Friedrich Nietzsche. A origem da tragédia, 2004. Adaptado.)
A origem da tragédia, publicado em 1872, está entre os livros de juventude de Friedrich Nietzsche (1844-1900). O autor, por meio da análise da tragédia grega, reflete sobre a origem das artes e da natureza artística de sua contemporaneidade. Os argumentos do filósofo eram inovadores, ele entendia que
o confronto entre o mundo do desejo, do excesso, e o princípio da contemplação, do equilíbrio, era gerador das novidades artísticas e culturais.
o antagonismo extremo entre forças criadoras deveria ser contido e apaziguado pelo avanço da civilização e da cultura capitalista.
a oposição entre a embriaguez dionisíaca e a racionalidade apolínea foi um traço específico da cultura grega, extinguindo-se juntamente com o mundo clássico.
a concórdia entre os homens, os bons costumes e a moralidade convencional eram a essência da democracia contemporânea e do desenvolvimento artístico.
a vida do homem na terra, sem deus e sem crença espiritual, era absurda e injustificada, somente o sentimento de transcendência poderia conferir significado à vida.