A ciência costuma pregar boas peças nas evidências deste mundo. Era para todos muito evidente que o Sol se levantava de um lado e caía do outro. Até que apareceu alguém para dizer que o Sol nem nasce nem se põe, é a Terra que se mexe. Foi um pouco disso o que aconteceu com a questão da Angústia. A angústia era encarada como uma espécie de maldição do outro mundo, tal sua vagueza e falta de explicação lógica. Vejam o sujeito que está numa praia às dez da manhã, mar azul, céu azul, de repente se percebe tenso como uma corda de violino. Racionalmente não consegue descobrir por quê. Sente-se tomado por um vago sentimento de medo. Tão vago e tão doloroso que parece mesmo coisa do outro mundo, maldição dos deuses ou dos orixás, os quais talvez seja bom dar um jeito de aplacar.
É nesse ponto que chega Freud e afirma que não é o Sol que se mexe. Afirma que a angústia não é vaga porque vem de outro mundo: é vaga porque vem do inconsciente. Ela não está, portanto, fora, mas dentro de nós. A angústia, diz Freud, é uma excitação sexual reprimida.
Uma teoria à primeira vista pouco evidente, meio esquisita, que não bate muito com o senso comum: o sujeito que está tenso na praia vai atribuir sua angústia a um negócio difícil, a uma briga com a mulher, à própria situação do país. Vai apelar para causas conscientes, fora dele. No entanto, ele não sabe muito, mas parece que a tensão por um negócio difícil é muito diferente daquele vago, renitente e doloroso sentimento de angústia que o assalta de vez em quando, até mesmo às dez da manhã, na praia, num belo dia de sol.
(O que é angústia, 2008. Adaptado.)
“Tão vago e tão doloroso que parece mesmo coisa do outro mundo, maldição dos deuses ou dos orixás, os quais talvez seja bom dar um jeito de aplacar.” (1o parágrafo)
O termo destacado “mesmo” tem função sintática equivalente à do termo destacado em:
Ninguém sabe se ele escreveu mesmo os livros.
Estou trabalhando muito. Espero que você faça o mesmo.
A voz do homem era a mesma, mas o rosto era outro.
Para descer do ônibus, é preciso que o mesmo esteja parado.
O adulto repete a criança: as mesmas virtudes e os mesmos vícios.