[1] Seu rosto lembrava o dos índios sul-americanos
mal-encarados das aventuras do Tintim. O nariz adunco, a testa
avançada sobre os olhos fundos, as faces encovadas entre os
[4] cabelos pretos e lisos que caíam até os ombros. Era difícil
entender o que aquela gente queria. Leusipo perguntou o que
eu tinha ido fazer na aldeia. Preferi achar que o tom era
[7] amistoso e, no meu paternalismo ingênuo, comecei a lhe
explicar o que era um romance.
(...)
[10] Não sorria, não demonstrava nenhum gesto ou
expressão de simpatia. Tinha um olhar impassível e
determinado. O motivo da sua visita era me encurralar.
[13] Repetia: “Os velhos estão preocupados”. E eu pensava comigo:
“O idiota deve ter ouvido alguma coisa e resolveu tomar a
iniciativa de me pedir satisfação”. As minhas explicações sobre
[16] o romance eram inúteis. Eu tentava dizer que, para os brancos
que não acreditam em deuses, a ficção servia de mitologia, era
o equivalente dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar
[19] a frase, já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada
a não ser: “O que você quer com o passado?”. Repetia. E,
diante da sua insistência bovina, tive de me render à evidência
[22] de que eu não sabia responder à sua pergunta. Não conseguia
fazê-lo entender o que era ficção (no fundo, ele não estava
interessado), nem convencê-lo de que o meu interesse pelo
[25] passado não teria consequências reais, no final seria tudo
inventado.
Bernardo Carvalho. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002 (com adaptações).
Tendo como referência o fragmento acima, do romance Nove noites, de Bernardo Carvalho, julgue o seguinte item.
Por trazer como tema, entre outros, a questão indígena, o romance Nove noites dá prosseguimento à tradição de se transformar a figura do índio em símbolo da brasilidade, porém com estratégias discursivas distintas das utilizadas no passado.
Certa
Errada