[1] O menino sentado à minha frente é meu
irmão, assim me disseram; e bem pode ser
verdade, ele regula pelos dezessete anos,
justamente o tempo em que estive solto no
[5] mundo, sem contato nem notícia.
A princípio quero tratá-lo como intruso,
mostrar-lhe ........ minha hostilidade, não
abertamente para não chocá-lo, mas de
maneira a não lhe deixar dúvida, como se lhe
[10] perguntasse com todas as letras: que direito
tem você de estar aqui na intimidade de
minha família, entrando nos nossos segredos
mais íntimos, dormindo na cama onde eu
dormi, lendo meus velhos livros, talvez
[15] sorrindo das minhas anotações à margem,
tratando meu pai com intimidade, talvez
discutindo a minha conduta, talvez até
criticando-a? Mas depois vou notando que ele
não é totalmente estranho. De repente fere-
[20] me ........ ideia de que o intruso talvez seja
eu, que ele tenha mais direito de hostilizar-me
do que eu a ele, que vive nesta casa há
dezessete anos. O intruso sou eu, não ele.
Ao pensar nisso vem-me o desejo urgente
[25] de entendê-lo e de ficar amigo. Faço-lhe
perguntas e noto a sua avidez em respondêlas,
mas logo vejo a inutilidade de prosseguir
nesse caminho, as perguntas parecem-me
formais e as respostas forçadas e
[30] complacentes.
Tenho tanta coisa a dizer, mas não sei
como começar, até a minha voz parece ter
perdido a naturalidade. Ele me olha, e vejo
que está me examinando, procurando decidir
[35] se devo ser tratado como irmão ou como
estranho, e imagino que as suas dificuldades
não devem ser menores do que as minhas.
Ele me pergunta se eu moro em uma casa
grande, com muitos quartos, e antes de
[40] responder procuro descobrir o motivo da
pergunta. Por que falar em casa? E qual a
importância de muitos quartos? Causarei
inveja nele se responder que sim? Não, não
tenho casa, há muitos anos que tenho
[45] morado em hotel. Ele me olha, parece que
fascinado, diz que deve ser bom viver em
hotel, e conta que, toda vez que faz reparos
........ comida, mamãe diz que ele deve ir para
um hotel, onde pode reclamar e exigir. De
[50] repente o fascínio se transforma em alarme, e
ele observa que se eu vivo em hotel não
posso ter um cão em minha companhia, o
jornal disse uma vez que um homem foi
processado por ter um cão em um quarto de
[55] hotel. Confirmo ........ proibição. Ele suspira e
diz que então não viveria em um hotel nem de
graça.
Adaptado de: VEIGA, José J. Entre irmãos. In: MORICONI, Ítalo M. Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 186-189
O texto apresenta distintos participantes – narrador como personagem principal, seu irmão e sua mãe.
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações abaixo, acerca do modo de aparecimento das vozes dos personagens no interior do texto.
( ) A sequência Ele me pergunta se eu moro em uma casa grande, com muitos quartos (l. 38-39) revela a fala, em discurso direto, do irmão do narrador-personagem.
( ) O narrador-personagem pergunta para seu irmão: Por que falar em casa? (l. 41).
( ) A sequência iniciada por Não, não tenho casa, há muito tempo que tenho morado em hotel (l. 43-45) revela o diálogo do narrador-personagem com seu irmão.
( ) O texto apresenta a voz da mãe do narrador-personagem, em discurso direto, dizendo para seu irmão que ele deveria ir para um hotel.
A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é
F – F – V – F.
F – F – V – V.
V – V – F – V.
V – F – F – F.
F – V – V – V.