[1] A pesquisa em gramática também tem
seus mistérios – aspectos da língua que
ninguém conseguiu até hoje formular direito.
Acho que não exagero se disser que a maioria
[5] dos fenômenos gramaticais já observados não
tem uma explicação satisfatória. Vejamos um
exemplo.
Sabemos que, em muitas frases, o sujeito
exprime o ser que pratica a ação (ou, mais
[10] exatamente, que causa o evento). Isso
acontece na frase: Minervina entortou meu
guarda-chuva. Acontece que, com o verbo
entortar, nem sempre o sujeito exprime quem
pratica a ação. Se não houver objeto, isto é,
[15] se só houver o sujeito e o verbo, o sujeito
exprime quem sofre a ação, como em Meu
guarda-chuva entortou. Essa frase,
naturalmente, não significa que o guarda-
chuva praticou a ação de entortar alguma
[20] coisa, mas que ele ficou torto. Mesmo se o
sujeito fosse o nome de uma pessoa (que, em
princípio, poderia praticar uma ação), o efeito
se verifica: Minervina entortou. Essa frase
quer dizer que Minervina ficou torta, não que
[25] ela entortou alguma coisa.
A mudança de significado do sujeito que
vimos acima acontece com muitos verbos do
português; por exemplo, quebrar, esquentar,
rasgar. Uma vez que é bastante regular, esse
[30] comportamento deve (ou deveria) ser incluído
na gramática portuguesa.
Agora, o mistério: em certos casos, o
fenômeno da mudança de significado do
sujeito não ocorre, e ninguém sabe ao certo
[35] por quê. Assim, podemos dizer O leite
esquentou, e isso significa que o leite se
tornou quente, não que ele esquente alguma
coisa. Mas na frase Esse cobertor esquenta,
entende-se que o cobertor esquenta a gente
[40] (isto é, causa o aquecimento), e não que ele
se torne quente. Ninguém sabe direito por
que verbos como esquentar (e vários outros)
não se comportam como o esperado em
frases como essa. Provavelmente, o
[45] fenômeno tem a ver com a situação evocada
pelo verbo. Mas falta ainda um estudo
sistemático, e, por enquanto, esses fatos não
cabem em teoria nenhuma.
Enfim, para quem gosta de certezas e
[50] seguranças, tenho más notícias: a gramática
não está pronta. Para quem gosta de
desafios, tenho boas notícias: a gramática não
está pronta. Um mundo de questões e
problemas continua sem solução, à espera de
[55] novas ideias, novas análises, novas cabeças.
Adaptado de: PERINI, M. A. Pesquisa em gramática. In: Sofrendo a gramática: ensaios sobre linguagem. São Paulo: Ática, 2000. p. 82-85.
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações abaixo, referentes a relações entre convenções ortográficas e pronúncia de palavras empregadas no texto.
( ) A regra de acentuação gráfica válida para a palavra mistérios (l. 02) pode ser incluída na mesma que rege o emprego de acento gráfico em gramática (l. 01) e sistemático (l. 47).
( ) O som representado pela letra /s/ na palavra conseguiu (l. 03) é representado por duas outras letras na palavra explicação (l. 06).
( ) O acento gráfico em é (l. 14) é diferencial; ou seja, não corresponde a nenhuma distinção de pronúncia relativa à forma não acentuada.
( ) A palavra significa (l. 18), na pronúncia coloquial, permite a ocorrência de uma vogal não representada na forma ortográfica.
A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é
V – F – V – F.
V – V – F – V.
F – V – V – V.
V – V – F – F.
F – F – V – V.