Texto para as questões de 1 a 5.
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1---------------A homeopatia!… Eu pensava como você; ou, pior
ainda, não me dava ao trabalho de pensar coisa nenhuma a
respeito. Não acreditava nem descria — não pensava no
4---assunto e pronto. Mas um dia sobreveio o “estalo” e fiquei
tonto. O meu Edgarzinho apareceu com uma doença no
nariz. Isso na fazenda. Ele tinha 2 anos. Corro a Taubaté.
7---Consulto os médicos locais. “O melhor é ver um especialista
em São Paulo.” Vamos para São Paulo. “Quem é o baita para
narizes?” J. J. da Nova. Vou ao Nova. Examina, cheira, fuça
10---e vem com um grego: “Rinite atrófica. Só pode sarar lá pelos
18, 20 anos — mas vá fazendo umas insuflações com isso”
e deu-me uma droga e um insuflador. Voltamos para
13---Taubaté, muito desapontados. Dezoito anos! Mas minha
casa lá era defronte à duma prima. Vou vê-la. Tenho de
esperar na sala de visitas um quarto de hora. Em cima da
16---mesa redonda está um livro de capa verde. Abro-o.
“Bruckner, O médico homeopata.” Instintivamente procuro
a seção Nariz. Leio conjuntos de sintomas. Um deles
19---coincide com os sintomas da rinite do Edgard. Prescrição:
“Mercurius”. Entra a prima. Conto o caso do menino e
aquele encontro ali. “Vale alguma coisa isto de
22---homeopatia?”, pergunto, cético. E ela: “Experimente. Não
custa”. Quando saí passei pela farmácia. “Tem Mercurius?”
Tinha. Comprei 5 tostões. “Almeida Cardoso — Rio.” Levo
25---para casa. Falo à Purezinha. Sem fé nenhuma, dou
automaticamente os carocinhos ao Edgard, mais do que
mandavam as instruções. Cinco em vez de três. Depois, mais
28---cinco. De noite, mais cinco. No dia seguinte, o milagre:
todos os sintomas da rinite haviam desaparecido!… Mas
sobreviera uma novidade: purgação nos ouvidos. Cheio de
31---confiança, corro à casa da prima, atrás do livro de capa
verde. Procuro “Ouvidos” e leio esta maravilha: “Às vezes
sobrevem purgação no ouvido por abuso de Mercurius, e
34---cnesse caso o remédio é Sulfur”. Vou voando à farmácia.
Compro Sulfur. Mais 500 réis. Dou Sulfur ao Edgard e
pronto — sarou do ouvido! Sarou da Rinite, sarou de tudo!
37---Preço da cura: 1.000 réis. Pela alopatia, em troca da não
cura: várias consultas médicas, viagem a São Paulo, drogas
insuflantes e aparelho insuflador — e a desesperança.
40-----------Que fazer depois disso, Rangel, senão mandar vir
um livro de capa verde e uma botica com todas as
homeopatias do Almeida Cardoso? Cem mil-réis custou-me,
43---e desde então curo tudo. Curo tudo em casa e no pessoal da
fazenda. Fiquei com fama de mágico. Vem gente dos sítios
vizinhos. “Ouvi dizer que o senhor é um bom doutor que
46---cura” — e curo mesmo.
Chega a vir até do município vizinho atrás dos
“carocinhos mágicos”…
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Monteiro Lobato. A barca de Gleyre.
São Paulo: Editora Globo, 2010 [1917].
De acordo com as ideias do texto, o narrador
tornou-se ainda mais cético quanto à eficácia da homeopatia após Edgard apresentar purgação no ouvido.
passou de fervoroso depreciador da homeopatia a vigoroso defensor dessa terapêutica.
seguiu à risca as instruções para a administração de Mercurius, obtendo êxito no tratamento da rinite de Edgard.
considera a alopatia um meio mais eficaz e mais barato de se obter a cura contra doenças.
adquiriu o hábito de curar pessoas por meio de tratamento homeopático.